segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Igrejismo




"Antes de concluir seu curso preparatório, Dietrich Bonhoeffer, o teólogo alemão que apregoou o fim da religião e morreu num campo de concentração pelo seu envolvimento numa conspiração para assassinar Hitler, visitou Roma e o Vaticano. Ele esperava se encontrar com a história, mas foi a vibrante vitalidade do catolicismo que lhe causou verdadeiro impacto. O teólogo nunca se permitiu esquecer a experiência, e menciona em inúmeros sermões e reflexões a integralidade e a universalidade que testemunhou na vivência católica da igreja.


Há uma palavra que, quando ouvida por um coração católico, acende todos os seus sentimentos de amor e de bem-aventurança; ela põe em movimento as emoções mais profundas de sua sensibilidade religiosa, do pavor ao assombro do Juízo Final à doçura da presença de Deus; essa palavra desperta nele os sentimentos mais ternamente domésticos, sentimentos como os que só uma criança pode nutrir com relação à sua mãe: gratidão, reverência e amor sincero; o sentimento que toma conta de uma pessoa quando, depois de uma longa ausência, retorna ao lar, o lar de sua infância.
E existe uma palavra que entre os protestantes soa como algo infinitamente lugar-comum, algo mais ou menos indiferente ou supérfluo, que não faz o coração bater mais forte; que associam a uma sensação de tédio ou fastio ou que, de qualquer modo, não dá asas à nossa sensibilidade religiosa - e, no entanto, nossa sorte está traçada se não formos capazes de conseguir para ela um significado novo ou um muito antigo. Ai de nós se essa palavra não se tornar relevante novamente, se não se tornar assunto de importância nas nossas vidas.
Isso mesmo, "igreja" é a palavra cujo significado esquecemos.


E por igreja Bonhoeffer quer dizer a comunidade da graça, a reunião informal e universal dos que se sentem ao mesmo tempo infinitamente seguros e infinitamente desafiados pela incessante credencial divina.
E, sim, os católicos têm suas novenas, suas velas, suas promessas e seus sacrifícios, mas recorrem a eles e os deixam lá, em paz; partem para casa e vivem sua vida como gente normal, confiados na improvável graça como um cristão deveria fazer. Não veem a necessidade, como nós protestantes, de reacenderem seus sacrifícios incessantemente, domingo após domingo após domingo pela eternidade; não veem a necessidade de dar evidência do seu mérito pela atividade incessante, pelo acúmulo insano de conhecimento e pelos ajuntamentos febris. Os católicos têm suas repetições, mas podem recorrer a elas em oculto, na privacidade de sua casa. Têm suas imagens, mas não se rebaixam com a mesma facilidade ou com as mesmas desculpas à ganância, que é idolatria. Têm seus santos, mas preferem beijá-los a suntentá-los com dinheiro. Têm suas penitências, mas conhecem o arrependimento. Têm suas peregrinações, mas não se rebaixam ao espírito de rebanho - isto é, não seguem todos para um mesmo lugar.
Tudo isso em sonoro contraste conosco, que cometemos a impudicícia de, sendo os mais carolas e religiosos, ser os que mais tagarelam sobre a graça. Para nós a igreja é um local e uma tarefa; para o católico é uma segurança e um estado de espírito. Para nós a graça é um conceito importante; para o católico, é estar vivo."




Paulo Brabo - A Bacia das Almas

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