Por Adenilson Salmo
1 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: 2 há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; 3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar; 4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; 5 tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar; 6 tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora; 7 tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; 8 tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.¹
Que é, pois, o tempo? [...] Por isso, o que nos permite afirmar que o tempo existe é a sua tendência para não existir.
(Santo Agostino, Confissões, XI, XIV)
As crianças tem a mania de assistirem ao mesmo filme repetidas vezes. Os meus dois filhos, por exemplo, assistiram à animação “Alice no país das maravilhas” dezenas de vezes e, em algumas destas exibições, enquanto passava pela sala, vi o coelho correndo de um lado para o outro, com um relógio na mão, gritando sempre: "Estou atrasado! Estou atrasado! Estou atrasado..."
A expressão do coelho no Mundo das Maravilhas encontra eco em nossos dias desde que Ford começou a montagem de carros em série, dando, assim, origem à revolução industrial. Desde então, a frase "time is money" tomou conta da realidade humana e o homem passou do estágio de homo sapiens para homo faber.
O homem necessita produzir - e produzir com urgência - sem perder tempo. Por isso, ele abre mão de tudo o que está ao seu redor e que antes lhe era importantíssimo, tendo sempre em vista a produção, que lhe é cobrada pela sociedade realista.
O custo disso é que o homem perdeu também a sua condição de homo ludens. Assim, o mito, o sagrado e a linguagem começam a desaparecer diante da urgente necessidade de sobressair pela produção. Este é o motivo por que hoje perdemos coisas que antes eram naturais e prazerosas para o homo ludens, em especial os cristãos.
O culto familiar deixou de existir, pois cultuar em família, em casa, toma tempo - e tempo é dinheiro. A oração individual também deixou de existir, pois o tempo lhe falta, trinta minutos de oração significam trinta minutos a menos de descanso, o que poderá afetar depois a concentração nos negócios ou a capacidade de raciocínio rápido na bolsa de valores. A leitura da Palavra foi substituída pela leitura de manuais de instrução mecânicos, ou talvez de livros de auto-ajuda para poder produzir mais em grupo ou exercer uma boa liderança empresarial.
Desta forma perdeu-se o prazer pelo metafísico, a possibilidade de ter um contato com o externo, com um Ser Supremo. O sentimento religioso ficou em um plano inferior. Assim, o homem tem abandonado as coisas de Deus, e vive hoje como o coelho no Mundo das Maravilhas: correndo de um lado para o outro dizendo “Estou atrasado, estou atrasado...” e, dessa forma, atrasa o seu crescimento em santidade, em graça, em relacionamento com Deus e com os seus semelhantes. Afinal, para ele tempus fugit.
E, se o tempo foge, então é necessário que tudo seja instantâneo. Para isso temos o Bradesco instantâneo, o Nescafé instantâneo, o miojo, e todas as demais porcarias instantâneas que a sociedade nos vende a preço de ouro fino, pois, afinal, tempo é dinheiro e o tempo é volátil.
Eu sou da roça. Meu primeiro trabalho foi com sete anos de idade: entrar debaixo de uma saia de um pé de café para poder limpar o tronco. Para os urbanos, deixe-me explicar. As árvores de café possuem uma “saia”, que é a parte debaixo da árvore. Ao tirar os grãos de café, eles cabem debaixo desta saia. Faz-se necessário entrar debaixo dela e retirar estes grãos, para que depois sejam recolhidos. Mas este já é o processo de colheita. Então, permitam-me relatar um pouco sobre a epopéia do café da roça.
O trabalho com a lavoura de café começa assim que termina a colheita. É necessário desbrotar as árvores, isto é, arrancar alguns brotos e deixar somente os mais fortes e viçosos, para que estes cresçam vigorosos e tenham boas flores para, assim, dar o fruto.
Depois, temos que capinar as ruas de café, pois a erva daninha, assim como o carrapicho, sugam as propriedades do solo e interferem na qualidade do grão. Ainda depois, temos que adubar, e este pode ser adubo orgânico, normalmente bosta de vaca, ou então adubo químico (até me lembro da música do adubo: "com maná, adubando dá..."). Temos que esperar a florada e pedir ao bom Deus que, nesta época, dê uma chuva para que a flor vingue, mas não pode ser forte por que derrubaria as flores. Também dependemos Dele para não gear, pois isso queima as flores e as folhas da árvore, não vingando o fruto.
Agora é época de ruar o café: neste processo temos que limpar bem as ruas do café, pois no chão irão cair os grãos e, se estiver muito sujo, compromete a colheita. Só a partir de então partimos para a colheita, derrubar o grão, rastelar, abanar, ensacar, levar para o terreirão.
Uma vez feito isso, necessitamos limpar os grãos e torrá-los, normalmente feito à beira do fogão de lenha com torrador de metal, em fogo baixo, para não queimar os grãos e, uma vez torrados, temos que moer o café. Só então é que vamos esquentar a água, mas sem ferver, e o pó, no coador de pano, exala um cheiro inconfundível. Depois de tudo isso, podemos desfrutar do café da roça.
Assim, o homo ludens desfruta, com a sua família, do saboroso café, agradecendo a Deus por ter mandado a chuva na hora correta, cuidado do frio e abençoado a colheita...
Porém o homo faber acorda de manhã atrasado coloca uma caneca no microondas aperta o timer de um minuto para a água ferver despeja duas colheres de café instantâneo e para não ter trabalho de esperar o açúcar dissolver pinga sete gotas de adoçante e assim produz o seu café no microondas que ele mesmo produziu.
Mesmo que o café instantâneo lhe tenha custado muito mais caro, bem como alto foi o valor pago pelo aparelho de microondas, o homo faber não se importa, afinal, ele produz para isto, para ter dinheiro e, assim, comprar o que necessita. Desse modo, nele se cumpre a palavra do poeta que diz: “o conquistador para manter o conquistado se torna escravo do que conquistou”
Este mesmo homem que está sempre atrasado necessita de coisas instantâneas. Esse conceito é também transferido para as coisas de Deus. Assim como ele necessita de café instantâneo, pois tem pressa, ele necessita de um Deus instantâneo. Ele quer as bênçãos para agora, Deus necessita suprir suas necessidades para agora e, por isso, ele ordena, profetiza, declara, pois ele aprendeu a dar ordens e as coisas serem produzidas. Esquecem que Deus não é faber, mas ludem.
Mas eles são bons entendedores e sabem que o instantâneo custa mais caro, por isso, não encontram problemas em fazer parte dos fiéis dos oitocentos reais, ou do propósito dos mil ofertantes de mil reais. Eles sabem que o instantâneo tem o seu valor e, afinal, esse é mais um investimento, estão investindo para que este dinheiro venha lhes produzir as bênçãos instantâneas. Estes se esquecem de que tempus fugit e, por isso, necessitam carpe diem.
O homem, em seu afã de produzir para poder conquistar, perdeu a noção da necessidade de dependência de Deus e da importância de um relacionamento pessoal com Ele. Esqueceu que a única forma de aproveitar bem o dia, de colher o dia é dependendo daquele que é Senhor de todas as coisas, daquele que nem mesmo o tempo lhe abate, daquele que esta além das cobranças deste mundo pós-moderno que nos oprime.
Este mês olhei a capa de um livro que me chamou atenção, cujo título era “Ocupado demais para deixar de orar”. A idéia me fez lembrar um antigo hino cristão que diz:
Bem de manhã, embora o céu sereno
Pareça um dia calmo anunciar,
Vigia e ora: o coração pequeno
Um temporal pode abrigar.
Bem de manhã, e sem cessar,
Vigiar e orar!
Ao meio dia, quando os sons da terra
Abafam mais de Deus a voz de amor,
Recorre à oração, evita a guerra,
E goza paz com o Senhor.
Do dia ao fim, após os teus lidares,
Relembra as bênçãos do celeste amor,
E conta a Deus prazeres e pesares,
Depondo em suas mãos a dor.
Necessitamos de alguma forma nos livrar dos grilhões que a sociedade nos imprimiu. Quem sabe se faça necessário voltar a meditar na vida de cristãos místicos como Agostinho, São Francisco de Assis, João da Cruz e ainda outros, para então compreendermos a necessidade e importância de entregarmo-nos à meditação da pessoa de Deus por meio da oração, da leitura da palavra, da meditação em suas obras, para nos desintoxicarmos das cobranças da produção diária, retornando assim ao prazer de ter o contato com o sobrenatural, com o transcendente.
Assim, experimentaremos novamente o prazer da comunhão cristã com nosso Deus, a comunhão familiar e com os irmãos. Além do mais, por meio desta separação de tempo para nos aproximarmos durante o dia ao nosso Senhor nos relembrar que o homem cristão não depende daquilo que seus braços produz, mas sim da graça de Deus que nos acolhe, que nos sustenta. Voltarmos a lembrar que não necessitamos pagar ao Senhor para recebermos as suas bênçãos, e que Ele concede aos seus no tempo em que Ele sabe que é o melhor. Um movimento de retorno que nos faria compreender melhor o texto do salmista, que nos diz:
Se o Senhor não edificar a casa,
em vão trabalham os que a edificam;
se o Senhor não guardar a cidade,
em vão vigia a sentinela.
Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde,
comer o pão que penosamente granjeastes;
aos seus amados ele o dá enquanto dormem.²
Necessitamos compreender que o tempo foge, é volátil, desaparece e que nada deste mundo permanece. Por isso, nosso trabalho é acumular tesouros nos céus, e a única forma de fazer isso é retornando a dependência diária de nosso Deus. Fazermos um retorno do homem que produz ao homem lúdico, que tem prazer nas coisas de nosso Deus. Só assim, vamos colher o nosso dia de forma apropriada, como um cristão que depende exclusivamente de Deus para ter a sua casa edificada, para ter o pão nosso de cada dia.
Lembrem-se: tempus fugit, carpe diem.
¹ Sociedade Bíblica do Brasil. (2003; 2005). Almeida Revista e Atualizada, com números de Strong (Ec 3:8). Sociedade Bíblica do Brasil.
² Sociedade Bíblica do Brasil. (2003; 2005). Almeida Revista e Atualizada, com números de Strong (Sl 127:2). Sociedade Bíblica do Brasil.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
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Excelente!
ResponderExcluirUm prazer muito grande ler um texto seu em nosso blog, amado irmão Adenilson.
Graça e Paz!